domingo, 10 de julho de 2016

[missa a akasha - 5. dissociação]

5. dissociação:

Um sussurro sápido sopra quando
o sonho sufoca o sonhador,
anunciando as sendas da
insensatez.
O cântico solipso dissolve. Só resta
o sacrossanto silêncio que
aguarda, ansioso, na certeza da
insurreição.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

[dreamscape #1]

When the monsters came
with razor claws and dagger teeth,
like he imagined them,
covered in leather, and vile thorns
and scales and fur and lined with horns
of opal and ebony, and their eyes on fire
like wild rubies and wild amethyst
and black jet, like the sky at night,
like in his dreams,
he ran and fell and ran again,
into the city, into the concrete,
towards the nowhere, towards the hills,
and the sheets couldn't protect him,
and the light couldn't protect him,
nor the moon, nor the sea,
and their wild eyes followed,
and the starless sky followed,
and the bible black followed;
and when he saw the fall -

he threw himself off the cliffs
like he imagined them,
and flew away in wings of nothing,
because he could,
like in his dreams.

sábado, 27 de setembro de 2014

[ilha]

A cada dia avança o mar e encolhe-se a ilha;
Eu, a rabiscar com tinta em folha, esvaziava mais uma garrafa a servir de aposta;
Lançei-a ao mar e esperei - em vão - resposta.
Qualquer.

Não fosse a primeira garrafa, a mim bastaria a ilha - talvez.
Mas nas letras que ela continha eu vi um pedaço que faltava de mim;
Alguém em outra ilha escolheu lançar a garrafa, a esmo.
Um pedaço de alguém! - assim mesmo.

Não fosse a primeira garrafa! Escolhi responder. Ousei.
E mais garrafas vieram  - milhares, milhões. Não sei.
Mas não respostas.
A cada mil encontro mais uma pedaço do quebra-cabeças.
Não me parece ter final.

E quando eu respondo, é só porque queria que soubessem que a peça serviu.
Que guardo-a sempre comigo. Sempre. Que, sempre que posso, transcrevo-a.
(Pois sou só parte dono do que sou.)
Que sirva a mais alguém - a um amigo.
Também transcrevo pedaços que já tinha comigo.

Mas a cada dia lanço ao mar outra garrafa de gratidão. Esperando resposta - em vão.
Esperando uma reação - um "Disponha". Só gostaria de saber que chegou.
Que soubessem que me tocou.
E sonho que sejam tão sedentos quanto esse naufrágio de mim. E que os toque.
E nada.

Eu rabisco com sangue e fúria e febre e fé,
Porque apenas tinta em folha não basta. Sabe quem já leu.
Porque a cada dia encolhe-se a ilha-eu,
E espero, sedento, resposta. Qualquer.
Antes que só reste aos meus olhos o sal e o mar e eu já não possa mais ler.

terça-feira, 19 de agosto de 2014

[ainda]

Ainda sou crítico,
ainda sou nervoso,
ainda sou romântico,
ainda sou sensível,
ainda sou chorão
(às vezes),
ainda não ligo pra futebol,
ainda não assisto jornal,
ainda sou inseguro,
ainda sou indeciso,
ainda durmo mal,
ainda acordo tarde,
ainda como besteira,
ainda fico doente,
ainda não arrumei o quarto,
ainda desejo a paz mundial quando assopro a vela no meu aniversário
(depois penso em coisa menos boba),
ainda sou iludido,
ainda sou tenso,
ainda sou ansioso,
ainda seguro a porta
(pra todo mundo),
ainda dou bom dia
(pra quase todo mundo),
ainda não sei a hora de desistir,
ainda sou louco,
ainda sou difícil,
ainda sou vulnerável,
ainda sou complicado,
ainda sou medroso,
ainda sou apaixonado,
ainda sou impossível,
ainda sou incurável,
ainda sou honesto,
ainda sou sincero,
ainda não me conformei,
ainda não me adaptei,
ainda sou bonzinho,
ainda sou otário,

Ainda sonho.
Ainda sobrevivo.
Ainda assim.

segunda-feira, 24 de março de 2014

[terceiro pilar: azazell]

Queima e abrasa na furna noturna
O crisol funde a essência lasciva, imunda
Que emerge do cerne, esse câncer que pulsa
E que pulsa e que cresce e nos causa repulsa

Inumano que enxerga, que tenta e revela
Inumano que pune, que julga a parcela
Do ímpio que cada cabeça carrega
Que cada cabeça esconde e renega

Mas pensa e deseja e pretende-se ao mundo
O desejo profano, primeiro, profundo
O que para? O que impede tão louca vontade?
Que crime se deve? Sentença? Piedade?

A vingança perfeita é aquela que é feita
A priori – antes mesmo que o crime se aflore
Então pune, Azazell, pra que reste nenhum
Sob o céu - Sobre o céu – Sobre céu algum

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

[glifos e grafos]

Ter me formado em Design, a despeito da minha falta de habilidade com desenho, foi essencial na minha formação como escritor - algo que somente me sei, no momento, já que não tenho livros publicados. As peculiaridades da captação da informação pela imagem são muitas, e estudá-las acabou me ajudando a colocar algo em contraponto com a maneira como as pessoas absorvem o texto.

Cheguei, tem muito tempo, à conclusão de que as pessoas não gostam de ler. “Uma imagem vale mais que mil palavras”, afinal – ler mil palavras exige muito mais tempo e dedicação do que olhar uma imagem. Talvez por isso exista hoje uma rede tão grande de emissores de informação compartilhando gifs de gatos e memes.
Não digo isso em detrimento do valor da imagem, seja ela fotografia ou pintura, mas temo que nos dias atuais tenhamos chegado a uma cultura da informação como “fast-food” – informação científica, jornalística ou mesmo fictícia. Isso foi crucial pra que eu reparasse que a absorção do conteúdo literário toma muito mais tempo do que a absorção do conteúdo gráfico.
O conteúdo gráfico é chamativo o suficiente pra atrair o primeiro olhar. Ele grita, bate na sua porta e está lá. A análise da forma precede a análise do conteúdo.

Mas nem sempre é a forma que comunica. Existem limites para a forma.

Gosto de citar esse vídeo do Richard Seymour (em especial  o trecho entre 5:05 e 5:50, mas o vídeo é inteiro sensacional):




“Is it beautiful now?”
O conhecimento da narrativa por trás da imagem traz uma beleza totalmente nova. Essa imagem só vale mais do que mil palavras porque você passa a conhecer as palavras por trás dela.

Arrisquei, recentemente, participar dos Desafios 2 Minds. Mas diferente da proposta – que é fazer um desenho ou pintura – decidi cumprir os desafios escrevendo em 30 minutos um pequeno texto ou poesia. Me deparei com uma dificuldade quase intransponível que é formular o conteúdo pra escrever um texto e redigí-lo se preocupando com a forma em 30 minutos.

Essa é a diferença crucial entre a informação verbal e a informação visual. A informação visual "depende" de um conhecimento emocional prévio do leitor. A informação verbal pode te aproximar muito do conteúdo, de maneira que você possa se relacionar com ele, mas requer dedicação.

A imagem é primáriamente formal, e a forma está relacionada com a técnica – a composição, a habilidade do artista. Se o conteúdo de uma imagem é raso, você ainda pode apreciá-la pelas suas formas e cores.
É quase imediato “sentir” a imagem. 

A informação verbal possui uma carga forte de forma – se ela é bem escrita, possui cadência, ritmo, se as palavras são bem empregadas – mas ela é intrinsecamente dependente do conteúdo. Se o conteúdo não for interessante, não existe remédio para o seu texto.

Talvez por isso, e pela qualidade relacional do conteúdo, existam tantos autores que carecem de técnica se dizendo escritores. Porém, a falta de conteúdo – por este depender não só da habilidade do escritor ao produzí-lo, mas também da carga subjetiva vinda da relação entre ele e o leitor – é mascarável. Se o autor te conta a história que você acha que quer ouvir, talvez você fique satisfeito.

Porém, na minha opinião, o leitor experiente quer ser surpreendido. A maestria passa a estar no autor que te conta uma história que você não sabia que queria ler, mas depois de lida você sabe que nunca mais será o mesmo.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

[madrigal: até que a morte]

Escrito em 30 minutos para o Desafio 2 Minds.

Como se veste a morte? Para o enfermo,
Um terno, em sua eterna compostura,
Traz uma maleta sem remédio ou atadura que conserte
Mas apenas a conta e um contrato
Leva-o no primeiro contato.
Não tem a mesma sorte o assassinado;
Talvez a vista com capuz, quando condenado,
enquanto o fio da guilhotina se aproxima e reluz
Revelando que a vida não faz sentido.
A morte empunha a adaga (se traído).

Ao caçado vem, de repente, com o rasgar da garganta
E vê Thanatos com cheiro de sangue - de couro, a manta
o grasnar de corvos, um colar de dente?
Quando tomado, então, por acidente -
Bate o carro, vira a balsa;
Samedi ri do acaso, o sauda com sua cartola branca
estende a mão ossuda e o convida para a valsa
oferece um charuto - livre do vício e da dependência.

Mas quando se aproxima a senescência,
Não cede ao peso de culpa ou arrependimento,
Recebe a dama sem desafeto.
Veste-a de noiva (vestido e véu)
Fita os olhos de Azrael.
Estende um anel de casamento.