Redijo esse breve documento
para me recordar de coisas às quais talvez eu não possa dar atenção no presente
momento.
Estive, nesses últimos meses, prestando assistência à Aresius
Holzwarth em uma expedição à ruínas recém descobertas às margens do Mar Negro,
mais especificamente na Romênia. As ruínas apresentam aspectos que remetem ao
povo de Dácia com leves influências celtas.
O que me parece incongruente, é que a idade da ruína parece
ultrapassar a idade do povo dácio em si, e ainda mais a época da invasão celta.
Porém, me preocupam na realidade, não suas incongruências
históricas, mas sim uma congruência que, à meus olhos que muito já viram, não
pode ser dispensada como mera coincidência.
Anos atrás, em um sítio arqueológico bastante afastado – se a
memória não me escapa (e ela raramente o faz) em uma pequena gruta na ilha de
Tory – me deparei com murais gravados e algumas páginas soltas contando uma
história bastante particular.
Contava a história de uma divindade menor – talvez oriunda de
alguma derivação dos Fomori –, a quem eu e meus então colegas carinhosamente
batizamos de “Deus da Inconveniência”, chamada Svonnov. Inconveniência porque
esse deus parecia ser regido pelo desejo de provar de todos os néctares, comer
de todas as comidas, ver todas as paisagens e ouvir todas as conversas e todos
os sons.
Na história encontrava-se em curso uma grande festa do panteão.
Após comer os pratos de entrada praticamente sozinho e se intrometer em
conversas onde não havia sido convidado, os demais deuses – e o anfitrião, Kol,
uma entidade tríplice e um tanto complicada de se definir com tão pouca
informação – concordaram que ele deveria ser expulso do salão de jantar, e que
deveria ser permitido ao nosso Deus Inconveniente somente o trânsito pelo salão
de festas para que ele pudesse assistir às danças e ouvir a música.
Feito isso, Svonnov começou a passear pelo palácio a esmo,
procurando novas sensações para sentir. Por acaso ou destino sádico, Svonnov
entrou nos aposentos de Elonne, a frágil deusa da Paz e irmã do anfitrião Kol.
Elonne, que era feita de vidro, foi confinada a seus aposentos para que
permanecesse intacta.
A este ponto o leitor atento já deve ter adivinhado que,
conforme esperado de nosso Deus da Inconveniência, a coisa errada seria feita.
Svonnov, sedento, tocou-a.
A deusa da paz caiu e quebrou-se em mil pedaços, e o som foi
ouvido por todo o castelo e por toda a extensão da terra dos deuses.
Kol, tomado pela ira e a sede de vingança, capturou Svonnov e
desmembrou-o e lançou seus pedaços sobre a terra.
Nesta cosmogonia os pedaços de Svonnov pareciam ter dado
origem aos humanos e ser a justificativa para sua interminável sede e ambição.
Aqui, nas ruínas da Romênia, me deparo com uma sequência de
quadros similar. Porém, o último quadro exibe uma imagem um tanto diferente.
Os humanos, abaixo da cobertura de nuvens, assistem a queda
das partes de Svonnov.
Como arquimagos sabemos que a maioria das cosmogonias são –
em algum nível – verdade, me pergunto então que fim terá sido dado aos restos
de Svonnov, uma vez que já haviam humanos para vislumbrá-los despencando
dos céus.
- Notas encontradas
nos aposentos de Andrik Sardu
Um comentário:
Me amarro MUITO nos textos do tal Andrik. Quero uma história só dele!
(ou pelo menos uma que ele apareça)
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