segunda-feira, 16 de maio de 2011

[para]

Para ele se irritar no trabalho precisa de muito, mas hoje foi demais, irrompe da porta de casa e se depara com mais uma cena que cansa, mal respira, não dá conta da pressão e cospe palavra incauta atravessada no peito daqu-

Ela, que se preocupa e que quer o bem do seu marido não merecia ter escutado tal palavra torta, mal disposta chora a mágoa na frente d-

A filha abre a porta e não entende, cresce pra não entender ainda mais porque tudo se separa, tem medo de sentir mais que uma fisgada de paixão porque a lágrima na face da mãe não lhe larga o pensamento, e sem querer, querendo, desdenha o sentimento d-

Ele, que é jovem, frustrado, só tem o que não faz questão, trabalha pra viver, vive pouco, começa a crer que só vale o que tem no bolso, a cabeça é névoa e faz tempo que o olho não vê colorido além do verde da nota, deixa tudo pra trás e não liga pr-

O cara sente inveja, "o colega tem tudo que quer!": dinheiro, mulher, vive bem, toma café no lugar caro todos os dias, sorriso estampado na cara, amarelo de cigarro - sente raiva, passa pra trás, joga sujo, tá arriscando tudo pra sentar naquela cadeira, tudo que queria era estar no lugar d-

Ele chega todos os dias em casa e lembra que todo mundo é igual, como no mundo tem gente louca demais, espaço de menos, gente tentando acabar com a vida dos outros até no trabalho, que depois que a mãe morreu é tudo o que ele tem, já que o coração começa a virar pedra, ou é isso que ele decidiu depois de tentar sentir de novo o que sentia com-

Ela continua correndo, já faz tempo, mas ainda sente a falta daquilo que tem medo, ainda que não saiba, começa a pensar que nada vale a pena que no mundo tem gente louca demais, espaço de menos, gente se separando e se machucando, escreve um bilhete perguntando se loucura é ir embora ou continuar aqui, ter um filho e deixar ele sem esperança, pula do sexto andar ainda lembrando da lágrima no rosto d-

Ela não tem perspectiva, ele já não é mais o mesmo, ela está ficando velha a cada dia que passa uma ruga nova, seu rosto já é um mapa daquilo que ela viveu demais pensando nos filhos, foi cansativo, mas valeu a pena, mas no mundo tem gente louca demais, espaço de menos, gente querendo o mal dos outros, e ela se preocupa a cada dia que passa com o bem estar dos filhos e a felicidade d-

Ele é orgulhoso, não abre os olhos pra ver o que aconteceu de verdade, entender que as palavras dele tem mais efeito do que ele jamais sonhou ter, mas ele não enxerga e só queria ser uma pessoa digna de respeito, importante pra alguém, mas o chefe está pegando no pé dele, aquele projeto não vai sair tão cedo, ele sempre depende dos outros e repara que o mundo tem gente louca demais, espaço de menos, gente que não move um bedelho pra mudar a situação das coisas, pra fazer o trabalho com cuidado, atenção, carinho, e esse é o serviço dele em tudo enquanto pai, só quer o bem dos filhos e tem medo, sabe que vai continuar sendo difícil, mas reza pra não ter criado galinhas e sim águias, e reza também pra um dia perceberem que tudo que precisam é se perguntar por que diabos a gente nunca
para.

3 comentários:

Bernardo Stamato disse...

Genial tanto no enredo quanto na estrutura!

Bem escrito + boa crítica + bom enredo = foda!

Bruna Saddy disse...

Forte.

Jazz disse...

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