segunda-feira, 6 de junho de 2011

[ciência]

inquérito:
- O que eu tenho na minha mão? – segurou-a na frente do rosto, um pequeno punho.

tentame:
- Uma bola de gude!
- Nem perto. – um meio sorriso. Fitou o amigo com os olhos brilhantes de expectativa.
- Um boneco! – brincava inocente, esquecia-se de acertar.
- Também não.
- Hm... – abaixou a cabeça, um bico, olhando o chão - Quantas chances eu tenho?
- Quantas você quiser! – sorriu apertando os olhos.

ofensa:
- Um carrinho?
- Não. – quase bocejou.
- É um brinquedo? – perguntou sem malícia.
- Não! – aborreceu-se. – Não! Por favor, não! – brandia as mãos sem abrir a que segredava a resposta. – Não chame mais de brinquedo. – olhou para a mão.
- Tá bom. Desculpa... – embaraçou-se.

dicas:
- É vivo?
- Sim
- É uma flor!
- Não.
- Um besouro nojento!
- Não.
- É de que cor?
- Só perguntas de sim e não. Senão, acaba a graça.
- Está vivo agora?
- Sim.
Era complicado pensar em algo que pudesse estar tão tranquilamente vivo em um espaço tão pequeno.

lógica:
- Vamos, de novo! – sorriu.
Olhou em volta, procurando inspiração.
Tentou procurar por objetos faltantes. Não se deu por nenhum, mas ficou em dúvida, pois já fazia algum tempo. Porém, talvez houvesse outro do que ele segurava em algum lugar em volta. Fixou os olhos.
- Areia?
- Não.
- Uma pedra?
- Não. Menos sólido.

generalismo:
- Ar. – orgulhou-se da resposta e estufou o peito cheio de propriedade.
- Também, mas não é disso que eu estou falando.
Soprou, murchando. Olhava sem foco, pensando. Levantou um dedo.
- Espaço.
- Sim, mas também não é isso. Pare de chutar coisas genéricas.

superação:
Coçou a barba por fazer.
- Ao menos existe?
- Sim, é claro.
- E eu posso tocá-la?
- Você pode tocar em algo?
- Claro que eu posso. Estou tocando um monte de coisas nesse exato momento.
- Há quem diga o contrário. – a satisfação transpareceu nos seus olhos.
- Não importa. É físico?
- O quê não é?
- É físico ou não, droga? Estou perdendo a paciência.
- Então está perdendo o jogo.
- Caralho... – franziu a testa.

presunção:
- Vou assumir que se você pode segurá-la eu também posso.
- Você está errado.
- Por que, diabos?
- Você não sabe o que é.

empirismo:
- É um sentimento?
- Um pouco. – sorriu satisfeito.
- Felicidade?
- Não, mas pode trazer.
- Amor?
- Não. – soltou uma risada breve. – Você consegue segurar isso?
- Droga!
- Isso também não...

astúcia:
- Dedos. – a palavra escorreu com ironia e ele levantou uma sobrancelha. Batucava a mesa com os dedos.
- Isso é parte da minha mão, não dentro dela. – respondeu. – Pare de tentar trapacear.

impaciência:
- Meu tempo perdido.
- Quem escolhe perder o tempo é você.

cansaço:
- Desisto.
- Então você perdeu. – não abriu a mão, o rosto a mais genuína tristeza.
- O que é?
- O quê?
- O que você tem na sua mão.
- Eu pensei que você não queria mais brincar.
Houve uma pausa. Revoltou-se. Suas sobrancelhas brancas franziram-se e sua boca abriu esbravejante.
- Mas o que tem na sua mão!?
- Não importa.
Respirou fundo. Seus pulmões não eram mais os mesmos. Segurou os cabelos brancos
- Mas eu quero saber o que você tinha na mão!
- Por quê?

desconhecido:
- Porque estou curioso!
- Então tente de novo!
Fez-se silêncio e puderam ouvir o barulho dos pássaros.
- É impossível. Eu já tentei tudo. Nada faz sentido. Você me dá respostas contraditórias!
- Nem um pouco contraditórias. Você estava perto quando começou.
- Então me explique.
- E se eu te disser, o que acontece?
- Eu vou ficar satisfeito.
- Por quanto tempo?
Parou.
- Por que começamos a brincar?
Mais silêncio. Suas olheiras o perturbavam.
- Queríamos nos divertir.
- E se eu te contar? O que acontece?
Coçou os olhos cansados. Olhou seu velho companheiro.
- A brincadeira acaba.

inquérito:
- E se você acertar?
Naquele momento teve súbita certeza da resposta - e com a mesma certeza, não respondeu.

resposta:
Ergueu na frente do rosto do amigo sua pequena mão fechada novamente. As duas crianças continuaram a brincar.

2 comentários:

Bernardo Stamato disse...

Complexo = bem construído, bem narrado, bem estruturado. Excelente jogo entre as sensações e os momentos.

Foda.

Mourão disse...

Muito bom.