sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

[laika come home]

O povo estava reunido em volta das televisões e, momentos depois do lançamento, quebrou-se o silêncio sepulcral. A maioria especulava, alternando entre a esperança e o temor. Bisavôs e bisavós até se recordavam – fazendo alguma força - de Laika, Yuri Gagarin, Armstrong e Aldrin. Os cínicos ainda não haviam se cansado de debater a veracidade do “pequeno passo para o homem” e dos subsequentes, e os exagerados fingiam desinteresse, alegando que já viviam extraterrestres entre nós, como se já tivessem visto muito mais do que aquilo.
E enquanto todo esse burburinho acontecia nas casas – as ruas em silêncio – os tripulantes assistiam da janela o que o resto do mundo assistia nas telas de LED.
O espaço era vasto e vazio – e lindo. Todos os astronautas compartilhavam o sentimento de honra e reverência. Cada um também tinha sentimentos distintos, se despediam da terra levando consigo apenas o que não conseguiam deixar para trás. Não eram, como todos nós, apenas astronautas.
Eram pais, mães, irmãos, amores. Professores, poetas, homens de fé, felizes e tristes e conflitados. Não podiam deixar de ver luzes diferentes pelas janelas e, poupados da gravidade, agora só sentiam pesares que independiam dela. Os sentimentos eram controversos e nenhum sabia o que esperar do fim da missão quando aterrissassem talvez na superfície daquele novo planeta.

O imediato olhava para os painéis e indicadores com frequência, checando por irregularidades que pudessem ocorrer, mas aquelas luzes e botões nada diziam ao seu lado leigo. Executava aquelas tarefas como se fosse tão simples quanto dirigir um carro. Enquanto isso seus pensamentos vagavam pela estratosfera, exosfera, vácuo, indo de encontro à mulher e a filha que o esperavam.
Talvez a preocupação com os indicadores fosse medo da morte, naquele lugar onde não havia possibilidade de socorro. Talvez fosse a vontade de retornar. Quem sabe?

O psicólogo era solteiro, desinteressado, jovem – o tanto quanto poderia ser para tripular um foguete. Mas era cheio de ideias, ainda, e lembrava-se das pessoas. Já tinha visto uma série de casos estranhos, mas acreditava que condições psicológicas são na realidade doenças sociais. Pensava se encontrariam vida ao aterrissar, anos depois. Pensava se essa vida seria racional, e se teriam os mesmos problemas que nós. Depressão, apatia, paranoia, se teriam medo do objeto não identificado.
Se atirariam na nave ou não, pouco lhe importava. Só importava se haveriam curas para males que consideramos invisíveis e muitas vezes subestimamos.
Queria saber se, caso houvesse vida extraterrestre, ela traria mais problemas ou menos problemas. Teria mais problemas ou menos problemas.

Um geólogo os acompanhava. Era o segundo mais velho da tripulação e já sentia nos ossos o cinismo. Sua mente racional a única solução – ao menos até atingirem o espaço. A falta de gravidade o tocou de forma quase irreversível. Ainda não acreditava em Deus. Não acreditava em livros sagrados. Ainda depositava sua fé na ciência. Mas naquele momento teve certeza de que sabíamos muito pouco e que tudo que podia fazer era especular.
Uma lágrima lhe escapou, mas resolveu deixa-la pra depois. Ocupou-se em olhar o espaço da janela, contando as estrelas a perder de vista, e por um momento teve certeza de que pode ver com o coração mais do que o Hubble, quando capturou treze bilhões de anos de luz.

O capitão, do alto de seus quase sessenta anos cansados, tinha medo que a missão fosse infrutífera. Solo fértil, atmosfera e água fresca ou não.


Agradecimentos especiais (e desculpas) ao pessoal do Clube da Leitura da Baratos da Ribeiro, que me proporcionou a oportunidade de "sair da caixinha" com o tema do último encontro do ano de 2011. Novamente, mil perdões pelo não comparecimento e atraso.

Um comentário:

Bruna Saddy disse...

Adorei.
Triste e lindo.
(O meu final é feliz.)