Escrito em 30 minutos para o Desafio 2 Minds.
Como se veste a morte? Para o enfermo,
Um terno, em sua eterna compostura,
Traz uma maleta sem remédio ou atadura que conserte
Mas apenas a conta e um contrato
Leva-o no primeiro contato.
Não tem a mesma sorte o assassinado;
Talvez a vista com capuz, quando condenado,
enquanto o fio da guilhotina se aproxima e reluz
Revelando que a vida não faz sentido.
A morte empunha a adaga (se traído).
Ao caçado vem, de repente, com o rasgar da garganta
E vê Thanatos com cheiro de sangue - de couro, a manta
o grasnar de corvos, um colar de dente?
Quando tomado, então, por acidente -
Bate o carro, vira a balsa;
Samedi ri do acaso, o sauda com sua cartola branca
estende a mão ossuda e o convida para a valsa
oferece um charuto - livre do vício e da dependência.
Mas quando se aproxima a senescência,
Não cede ao peso de culpa ou arrependimento,
Recebe a dama sem desafeto.
Veste-a de noiva (vestido e véu)
Fita os olhos de Azrael.
Estende um anel de casamento.
terça-feira, 19 de novembro de 2013
[um conto sobre morte]
Escrito em 30 minutos para o Desafio 2 Minds.
Era uma vez, em um reino muito distante, um Rei. Esse rei era um tirano mesquinho e cruel, e reinava toda sua terra com punho de ferro. Todos aqueles que se recusavam a pagar seus tributos tinham suas casas queimadas, suas terras salgadas e seus filhos levados para o castelo para servir como escravos.
Era uma vez, em um reino muito distante, um Rei. Esse rei era um tirano mesquinho e cruel, e reinava toda sua terra com punho de ferro. Todos aqueles que se recusavam a pagar seus tributos tinham suas casas queimadas, suas terras salgadas e seus filhos levados para o castelo para servir como escravos.
O que impedia os camponeses de
se revoltarem contra o Rei, era o fato de que ele era imortal.
Como o tirano que era, certo
dia o Rei enviou comitivas de soldados para terras distantes e prometeu graças
e ouro aos que lhe trouxessem a vida eterna – ou perderiam suas vidas ao
retornarem. É claro, uma única comitiva retornou. Traziam algemado um sábio
que, diziam, sabia como alcançar a imortalidade.
O Rei, então, o torturou até que
ele o contasse e conseguiu o que queria. Uma vez que o sábio também era
imortal, o Rei o aprisionou em uma jaula e o prendeu em uma torre escondida do
castelo, para que ele nunca mais fosse encontrado.
Um dia, a Morte veio até o sábio
e, vendo que ele havia sido aprisionado pelo Rei – o homem a quem concedera o
segredo da vida eterna – perguntou o que havia acontecido. O Sábio contou-lhe
então sobre o Rei tirano, sobre como ele governava seu povo frágil e como havia
sido torturado até que, em sua vulnerabilidade humana, ele havia revelado seu
segredo.
A Morte então, cega de raiva,
começou a vagar pelos salões do palácio, invisível aos olhos de todos – afinal,
só os sábios podem enxergar a Morte. Rápidamente ela descobriu que toda a
família do Rei, seus filhos e netos, cobiçavam o trono do seu pai.
A Morte revelou-se ao filho
mais velho, herdeiro ávido e de direito da coroa, e lhe deu um anel. Ela contou
que o anel possuia o poder de matar uma única pessoa que ele tocasse - com o
dedo em que o vestisse - mas que após matar uma pessoa ele deveria se desfazer
do anel ou morrer, ele mesmo, ao nascer do sol.
O filho mais velho vestiu o
anel em seu indicador e foi até a sala do trono. Exigindo audiência com seu pai
– que, era sabido, era obcecado por jóias -, trouxe uma pérola que havia
encontrado como presente. Ele entregou a pérola ao seu pai sobre uma almofada
de veludo vinho, e aproveitou o momento para tocar-lhe a mão. No salão real,
minutos depois, o Rei Tirano morreu, sentado no Trono.
O príncipe se desfez do anel
arremessando-o pela janela, pátio afora.
A morte havia contado o segredo
para o filho do meio, que já sabia que seu irmão iria se desfazer do anel e
enviou espiões para saber onde.
Um a um, a Morte contou a todos
do palácio: o irmão mais novo do príncipe, depois aos irmãos do Rei, depois aos
generais de guerra e assim por diante.
E um a um, a Família Real fez o
trabalho sujo por ela, com carícias amaldiçoadas.
Não se sabe, até hoje, se
alguma outra família apareceu para tomar o trono do Rei tirano. Não se sabe
porque o reino todo desapareceu, do dia para a noite. As casas, agora, estão
vazias e empoeiradas, alojando apenas os pássaros cansados durante a noite, e
os morcegos cegos durante o dia.
Não se tem notícia do anel. Nem
da morte.
Só o Sábio viveu – acredita-se –
e levou com ele o anel, que carrega em uma fina tira de couro em volta do
pescoço, para que possa, ainda, abraçar as pessoas que ama.
segunda-feira, 18 de novembro de 2013
[baten kaitos]
Escrito em 30 minutos para o Desafio 2 Minds.
Considere, por um segundo, o lugar onde você está. A cadeira onde você se senta, lendo esse panfleto. Num ônibus talvez? Ou no banco de uma praça?
Considere, por um segundo, o lugar onde você está. A cadeira onde você se senta, lendo esse panfleto. Num ônibus talvez? Ou no banco de uma praça?
Olhe ao seu redor. O que você
vê?
É dia? O sol refletido na neve
faz com que cubra os seus olhos sensíveis?
Ou é noite, e tudo que se
afasta da luz permanece confortavelmente oculto do seu olhar? Você sente medo?
Você é treinado para temer. Não
importa quem você seja.
Se for apenas uma pessoa comum,
você é treinado para temer o desconhecido, e eu estou aqui para libertá-lo
desse medo.
Por séculos te enganaram.
Espíritos, vampiros, fadas, tudo isso é real. Eles espreitam cada canto. Riem
de você quando você não está olhando. Mesmo se você olhasse diretamente para
eles, talvez não os reconhecesse como são. Você é treinado para sentir medo, e
o seu medo é o que te cega. Para você, um vampiro pode ser uma pessoa comum.
Uma fada, só uma mancha no canto do olhar. Um espírito, só um calafrio. Sua mente
vai te enganar, sempre, porque você foi
criado em uma teia de mentiras e a verdade te deixaria louco.
Você foi enganado, treinado e
educado desde pequeno para acreditar que o seu medo do escuro é apenas coisa da
sua mente. Está errado. O seu medo do escuro é a única coisa que te mantém
vivo.
Mas não é dos vampiros e
fantasmas que você tem que ter medo. Não. Nem são seus pais a quem você deve
culpar. Eles são apenas vítimas, assim como você. Se você tem filhos,
provávelmente repetiu a mentira que lhe contaram tanto quanto os seus pais a
repetiram para você.
Os culpados são Eles. Eles
pensam que são melhores que vocês. Eles tem medo da Caça-às-Bruxas, tem medo de
serem descobertos. Eles enganaram todos vocês com seus ardís e encantamentos
durante séculos.
Pensam que são uma casta
superior. Pensam que estão te protegendo do mundo. Você, mero mortal.
Você acha que as cidades e a
tecnologia tornaram a seleção artificial?
O último Dragão selado por
magos na Moldova em 1847, sob o pretexto de que são muito perigosos. Florestas
foram queimadas por conterem muitos seres de Arcádia – fadas, trolls, sílfides.
Eles acreditam que vocês,
humanos comuns, não possuem talento mágico. Estão errados novamente. Todos
vocês tem poder, e são privados dele por essa jaula que os blinda de todos os
estímulos certos, impedem vocês de receberem sua herança de magia. Todos os
seus predadores estão do lado de fora da jaula, e enquanto isso a humanidade
cresçe como uma grande sanguessuga obesa e virulenta, em uma ditadura da
mediocridade.
A grandeza tem um preço,
certamente, mas é um preço justo.
Agora que sabe, você tem a
escolha. Abra seus olhos e busque a verdade, mesmo que isso o mate, ou escolha
perecer na cama de mentiras que já estava feita desde antes do dia em que você
nasceu.
Se você for um Mago, e pensa
que esta mensagem não é para você, é mais ingênuo do que pensa. Você não é um d’Eles.
Esta mensagem também é para você.
E você não é digno. Mesmo sabendo
da existência do sobrenatural, você escolheu não enxergar.
Mas no fundo, você sabe. Aquele
som. Sim, aquele som que você ouve, no silêncio do interior do seu templo,
quando é tarde da noite e se recusam a entrar até mesmo os espíritos mais
rudimentares. Aquele som do seu feitiço falhando fútilmente, quando você tinha
certeza de que conseguiria.
São as correntes.
Você consegue ouví-las?
Clink-clank-clink-clank, a cada minuto do seu dia, arrastando atrás de você.
Toda vez que veste um sobretudo
para cobrir seus estigmas, toda vez que coloca óculos escuros porque sua magia
prevalece sobre sua matéria e seus olhos não tem um colorido “humano”,
você está perpetuando a calúnia.
Eles mentiram para você também.
O Leviatã não está la fora.
Você está junto conosco dentro
do Estômago dele.
Se a luz da verdade for demais para você, tape os olhos. A Alvorada está chegando.
Se a luz da verdade for demais para você, tape os olhos. A Alvorada está chegando.
- Russel, Koloman
quinta-feira, 14 de novembro de 2013
[o sucateiro]
Escrito em 30 minutos para o Desafio 2 Minds.
A planície jazia em paz e silêncio. Já haviam passado os exércitos de guerreiros armados de espadas e machados, vestidos com armaduras de ferro, cotas de malha e capacetes .
A planície jazia em paz e silêncio. Já haviam passado os exércitos de guerreiros armados de espadas e machados, vestidos com armaduras de ferro, cotas de malha e capacetes .
Já era finda a guerra, há anos,
mas o campo já havia se tornado infértil com o peso dos cavalos e o sangue. Sua
poeira fina se elevava a cada brisa, como carregada pelos espíritos dos mortos.
Havia quem olhasse aquela cena,
o ferro espalhado pelo solo, os cacos de lâminas antigas e as escamas e placas separadas
de suas armaduras para dar lugar à lâminas que derrubaram grandes guerreiros,
heróis, lendas – cada um apenas um soldado, cada um apenas mais uma
contingência.
Não o sucateiro. Caminhava com
ajuda sua bengala e sua mochila de couro desbotada pelo solo rijo, se
protegendo do sol com um capuz. Estrepitando com cada passo, os restos de metal
que carregava em sua bolsa. Os fantasmas eram seus amigos e a antiga guerra seu
sustento.
Herdara sua casa - contava seu
avô, com com suas mãos calejadas e uma cicatriz no lábio – de ancestrais
nobres. Contava que um dia aquela terra havia sido regada por córregos, e que qualquer
semente lançada ao solo florescia e dava frutos. Que imperava, até onde os
olhos podiam ver, sua família, de seu castelo de mármore, suas roupas de seda e
tudo em volta era vilarejo, com camponeses felizes.
Não mais. Não depois da guerra.
O sucateiro não vivera pra ver
aquilo. Não haviam registros. E mesmo optando por acreditar, pouco daquilo lhe
importava. O que importava era apenas seu filho e a comida que comeriam naquela
estação.
Caminhava a planície com sua
mochila de couro desbotado, seu capuz, tateando com sua bengala o solo seco. Tomou
mais um gole comedido de água. Era dia de colheita.
Agachou-se próximo à ruína de
uma casa e pegou uma folha de ferro torcido, erodido pelo vento e pelas
tempestades de areia. Descascou um pouco da ferrugem com unhas gastas e a
cabaça, que fora capacete, começou a se desfazer. Jogou o elmo para longe e
continuou sua caminhada lenta.
Assobiava e caminhava,
batucando seu cajado contra o chão para marcar o ritmo. Seria um inverno longo,
e não podia se dar ao luxo de voltar para casa sem encontrar ao menos mais
algumas peças. O sol a pino esquentava sua cabeça, e sua barriga roncava. Em
casa, ele e seu filho já começavam a passar fome.
Sua bota atingiu algo duro.
Olhou para baixo, esperançoso,
para encontrar apenas a fivela de um cinto, ainda presa a uma fina tira de
couro gasto. Chutou-a com raiva e acabou rasgando a lateral de sua bota.
O sucateiro precisava de mais,
e o sol já começava a se por. Sabia que o dia chegaria, em que o que os
espólios esquecidos da batalha acabariam, que teria coletado tudo que era
humanamente possível. Mas não queria que aquele dia fosse hoje.
Alcançou seu cantil para mais
um gole de água e ele foi o último. O sucateiro, resignado, começou sua marcha
tropêga de volta para casa. Teria que voltar pela teceira vez à planície no dia
seguinte.
Voltando, encontrou uma duna
baixa de areia branca e fina. Olhou para o horizonte e decidiu que viria uma
tempestade, que provavelmente a carregaria para outro lugar. Começou a tatear a
duna, afundando seu cajado na areia até que atingiu algo sólido.
Virou-o de ponta cabeça. O topo
possuia uma protrusão no formato de um gancho, feita de ferro fundido, preso à
madeira do corpo com pregos e tiras de couro de coiote. Afundou o gancho na areia,
moveu a ponta um pouco encaixando o gancho sob o objeto e puxou.
Uma espada emergiu, e o sucateiro
sorriu. A lâmina parecia em bom estado, e ainda possuia algum lume contra o sol
da planície. O couro da empunhadura já havia se desgastado e desprendido há
tempos. Olhou com mais cuidado viu o resquício ilegível do sinete de um
ferreiro. Ferro de qualidade, usado por cavaleiros de alta patente.
O sucateiro fundia o metal de
baixa qualidade das armaduras para fazer panelas e vender aos demais
camponeses. Às vezes até martelos ou outros utensílios de metal, quando o ferro
ainda estava integro o suficiente para aguentar trabalhos mais detalhados. Mas
espadas eram mais difíceis de encontrar. Os soldados do rei, quando de
passagem, pagavam dez peças de prata por cada lâmina de soldado, e até cem
peças de ouro pela espada de um general.
Era seu ofício, dia após dia,
colher o ferro que emergia daquela planície sangrenta e assombrada. Tirar seu
sustento do infortúnio de milhares. Depois de todos os seus propósitos nefastos serem servidos, transformar aquele ferro sangrento em algo bom.
Mas mesmo que a maioria dos derrotados naquela batalha tivessem morrido antes que seu pai se deitasse com sua primeira mulher, o sucateiro ouvia, por vezes, o impacto entre espadas e o cavalgar de cavalos. Quando era noite, talvez até o grito de carga das tropas dianteiras.
Mas mesmo que a maioria dos derrotados naquela batalha tivessem morrido antes que seu pai se deitasse com sua primeira mulher, o sucateiro ouvia, por vezes, o impacto entre espadas e o cavalgar de cavalos. Quando era noite, talvez até o grito de carga das tropas dianteiras.
Mas não naquela noite. Aquela
noite dormiria tranquilo. Pôs-se a voltar para casa, com sua milésima lâmina.
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